*Por Renato Lôbo Guimarães, advogado e sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados
Desde a publicação, em outubro de 2003, da 1ª edição da obra de nossa autoria, intitulada “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITO MODIFICATIVO DO JULGADO”, até a presente oportunidade, verificamos que o enfrentamento do tema nela versado não sofreu maiores reparos, seja no âmbito legal, jurisprudencial ou doutrinário, de tal modo que a sua atualidade afigura-se inegável.
Contudo, com a promulgação da EC nº 45/2004 — que, no intuito de tornar mais amplo o acesso ao Poder Judiciário e mais célere a prestação jurisdicional, determina a instalação imediata de Comissão Especial Mista junto ao Congresso Nacional, assinalando prazo de 180 dias para a promoção das adequadas alterações na legislação federal —, algumas vozes vêm se levantando no sentido da “extinção” de recursos previstos na Lei Adjetiva, dentre os quais os declaratórios, justificando-se, pois, estas poucas linhas.
Uma vez incumbido, pela Presidência do STJ, de analisar os projetos de lei elaborados pelo Poder Executivo para alterar o CPC, asseverou o Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, em recente entrevista concedida à Rev. Consulex, no que atine à proposta de “extinção” dos declaratórios, verbis:
“Muda-se apenas o nome. Os embargos passam a ser chamados “pedido de correção”. Proíbe-se também uma segunda interposição e se retira deles o potencial infringente. Não alcancei o sentido de abandonar o nome do tradicional recurso de integração. O conceito de embargos declaratórios já está cristalizado. Embora sejam objeto de injusta demonização, esses recursos prestam substancial contribuição ao aprimoramento dos pronunciamentos judiciais.
Em verdade, o grande problema dos embargos declaratórios é o abuso em seu exercício. Abuso muitas vezes induzido pelos próprios juízes e tribunais, como acontece nas Súmulas 356 do STF e 211 do STJ.
Não encontro, ainda, sentido na proibição de que os embargos possam inverter a decisão de mérito. Semelhante inversão é puro corolário da constatação do erro, da omissão ou da contradição reconhecidos com o recebimento dos embargos. A modificação do resultado é a melhor forma de encurtar caminhos, prestigiando o espírito que gerou a reforma do Poder Judiciário.
Não fará sentido o juiz, após receber “pedido de correção”, afirmar: É, minha decisão está errada, mas nada posso fazer. Em tal circunstância, o “pedido de correção” traduzirá patente inutilidade.
Tampouco me parece feliz a vedação a novos embargos. Tenho para mim que, a persistir a mazela, melhor será corrigi-la prontamente.
Os exageros no exercício dos embargos declaratórios podem ser contidos com a aplicação de astreintes.” (grifamos)
Como bem salientado, a mudança propugnada atenta contra a estabilidade do processo, o qual deve, necessariamente, funcionar como uma praxe de todos conhecida, sendo que “cada vez que nele [PROCESSO] se mexe, novas questões ganham relevância, ocupam os tribunais, vendem livros, impedem o reconhecimento de direitos por força do desrespeito à forma instituída e o longo tempo que se perde, até que se recobre a estabilidade, somente faz tumultuar o andamento do processo, exigindo mais atenção que o direito material”(1).
Ademais, nos termos da aludida entrevista, os abusos no exercício dos declaratórios poderão ser coibidos através da própria sistemática do CPC, com aplicação, v.g., de penas pecuniárias (art. 538, par. único), utilizadas de modo ainda tímido pelos Juízes.
Revela-se, de igual modo, acanhada a adoção da orientação jurisprudencial na direção de que os declaratórios rejeitados “em virtude de aspectos formais e por ser a petição destituída de fundamento”(2) não possuem o condão de interromper o prazo para interposição de outros recursos.
Com efeito, “nem sempre as reformas necessárias para aprimorar o sistema judicial, objetivando maior efetividade do provimento jurisdicional, devem ser procuradas nas alterações legislativas”(3).
Revisitando as próprias normas legais, poderão os operadores do Direito “encontrar muitas das soluções que aparentemente estariam à espera do agir político do Poder Legislativo”(4).
De lege ferenda, apenas poder-se-ia concordar com medidas restritivas como, v.g., a sujeição dos declaratórios ao recolhimento de preparo, porém jamais com a sua respectiva extinção ou completa desnaturação.
Diferentemente do que pensam aqueles que sustentam a sua “extinção” e de outros conhecidos recursos, a eficiência do Poder Judiciário não depende apenas de mudança na legislação processual, da “contratação” de novos Juízes ou da alocação de mais verbas, mas sim (5), dentre outros, de “novos instrumentos de gestão, como o planejamento estratégico, a formulação de diagnósticos, a simplificação de procedimentos e o estabelecimento de diretrizes e metas”.
Em conclusão, simplista e equivocada se apresenta, ao nosso sentir, a solução sugerida, mormente quando, através da concessão de efeito modificativo aos declaratórios, pode-se evitar a interposição de outros recursos, “encurtando caminhos” e “prestigiando o espírito que gerou a reforma do Poder Judiciário”.
(1) Fornaciari Júnior, Clito. In Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº 33, Jan-Fev 2005, p. 43.
(2) STJ, RESP 328.388—PR, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, DJU 04.02.02.
(3) Junqueira Henrique, Carlos Augusto. In Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, volume 9, n. 9, 2002, p. 37.
(4) Ob. cit..
(5) Falcão, Joaquim. Artigo publicado, em 16.06.2005, no Suplemento Direito & Justiça, do Correio Braziliense.
*Artigo publicado no suplemento Direito & Justiça, do Correio Braziliense (07.11.2005); e na edição nº 57, do produto eletrônico Juris Síntese IOB.